Como a reforma trabalhista de Temer pode aumentar a sua carga horária
Câmara instalou na quinta-feira 9 a comissão para debater a proposta do
governo que permite elevar significativamente a jornada de trabalho
Carolina Antunes / PR
Temer e Maia: o primeiro propôs e o segundo tem a missão de aprovar as mudanças
Por André Campos
A reforma trabalhista do governo Temer
pode elevar de modo significativo a jornada de trabalho dos
brasileiros, além de gerar outras mudanças importantes na vida dos
trabalhadores. Essa é a primeira de uma série de matérias em que a Repórter Brasil explica as principais mudanças propostas pelo governo, e como elas podem impactar o cotidiano dos trabalhadores.
O assunto é tratado como urgente. Nesta quinta-feira 9, foi instalada
a comissão especial responsável por tratar do caso. Enviada ao
Congresso dois dias antes do Natal, a votação da reforma pode ocorrer
dias ou semanas depois do recesso. O presidente da Câmara dos Deputados,
Rodrigo Maia (DEM-RJ) é o maior defensor de que a proposta seja
apreciada em regime de urgência.
Além da carga horária, outras mudanças em vista são a forma de remuneração, o parcelamento das férias e o trabalho em home office. Esses aspectos poderão ser negociados diretamente entre sindicatos e empresas,
de acordo com o projeto de lei 6.787/2016, que contém os principais
pontos da reforma. Além disso, a proposta facilita a criação vagas
temporárias e em tempo parcial, que dão menos direitos aos funcionários e
podem tomar o lugar dos empregos tradicionais.
Muitas dúvidas ainda pairam sobre a reforma. Juristas e advogados
questionam a legalidade de medidas contidas na proposta, potencialmente
contrárias a princípios básicos da Constituição. Como por exemplo a
jornada máxima de 44 horas semanais e a garantia do salário mínimo.
O Ministério Público do Trabalho afirma que o projeto é inconstitucional
e defende a sua rejeição por completo. Se aprovadas, segundo previsão
do órgão, as medidas podem gerar insegurança jurídica e muita confusão nos tribunais.
Se já estivesse valendo em janeiro de 2017, o projeto do governo
Temer abriria uma brecha para 28 horas de serviço acima da jornada
normal do mês. Seria o equivalente a sete horas extras por semana, nas
quatro semanas cheias do mês.
Em outros meses, com mais feriados e menos dias úteis, o estrago
poderia ser ainda maior. A jornada normal máxima em abril de 2017, de
acordo com as regras atuais, é de 164 horas. Já para cumprir a jornada
máxima prevista por Temer sem ter que que trabalhar nos feriados, seriam
necessárias 11h36 por dia, de segunda à sexta, durante as quatro
semanas daquele mês.
Ainda há muitas incertezas sobre essas mudanças, devido às
contradições entre o texto constitucional e o da nova lei. Além disso, a
Constituição fala em horas trabalhadas por dias e semanas, enquanto o
da nova lei trata de horas por mês. Por isso, por enquanto, só é
possível fazer estimativas.
A Constituição limita a duração da jornada a oito horas diárias e 44
semanais – o que significa, no máximo, 2.296 horas anuais. São
permitidas, além disso, até duas horas extras por dia, desde que em
caráter eventual.
Com a reforma, acordos entre sindicatos e empregadores passam a ter
força de lei para negociar jornadas de até 220 horas mensais – o que
significa 2.640 horas por ano. Isso significa até 344 horas a mais de
horas trabalhadas por ano.
O projeto de lei também relativiza o limite máximo de 10 horas de
trabalho por dia: as oito horas normais acrescidas de duas horas extras.
Acordos coletivos estabelecendo jornadas de até 24 horas ininterruptas,
que foram invalidados pela Justiça do Trabalho no passado, tenderiam a
ganhar respaldo jurídico.
Além disso, não está claro se há margem para jornadas que superam o
limite de 220 horas mensais, com as horas excedentes sendo computadas
como horas extras. “O projeto de lei permite esse entendimento”, avalia
Guilherme Feliciano, vice-presidente da Associação Nacional dos
Magistrados do Trabalho (Anamatra). Seria uma situação semelhante à do Japão,
onde as horas extras podem ser estendidas sem limites e o excesso de
trabalho gera números alarmantes de suicídios e mortes por exaustão.
Por fim, o controle das horas trabalhadas é outro aspecto que tende a
ser impactado, pois a forma como ele é feito passaria a ser objeto de
negociação entre empregadores e sindicatos [atualmente, os critérios
para o registro eletrônico de ponto são regulados por uma portaria do
Ministério do Trabalho]. Segundo Feliciano, isso contribuirá para a
adoção de sistemas não confiáveis de registro.
Mesmo sem a autonomia que o projeto lhes confere, diversos acordos
entre patrões e sindicatos já são questionados nos tribunais por
prejudicarem os trabalhadores. Até mesmo denúncias de corrupção pairam
sobre eles. “A realidade sindical brasileira é marcada pela presença,
lado a lado, de sindicatos sérios, combativos e dotados de grande
representatividade e de sindicatos com pouca ou nenhuma legitimidade”,
avalia o procurador geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, em nota técnica
sobre a reforma trabalhista. “São geridos por um pequeno grupo de
pessoas que os exploram como se a entidade fosse seu patrimônio
pessoal”.
*Reportagem publicada originalmente na Repórter Brasil
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