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quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Pandereta - Por Gil Soares

O texto abaixo, refere-se ao depoimento feito por um primo em sei lá que grau, a respeito de um instrumento que meu Avô Materno, Elpídio Barbosa tocava, e que nos tocava de certa forma...

Ainda lembro dele sentado, não na ponta da mesa mas ao centro, para que todos sentasse em sua volta.... de forma que ele com um só olhar regulasse toda e qualquer conversa nas horas das refeições.... A mesa era lugar para se comer e não conversar.... mas aos poucos seu coração se adoçava, e ele já não dava tanta bola para isso... ou não com tamanha ênfase...

Lembro também dos aniversários, onde ele logo sacava a Pandereta e tocava um parabéns... acordes que meu primo Michel Caetano chegou aprender... ainda lembro...

Lembro também que após a morte do meu Avô, minha mãe (também já falecida), ao escutar qualquer som semelhante ao da Pandereta, logo enchia os olhos de lagrimas e seu coração de saudades de sua dura mas feliz infância e juventude.....

Não poderia diante de tantas lembranças deixar que o brilhante texto e formidável história... sim com H, ficasse perdida nas linhas do Face, e por isso compartilho com aqueles que assim quiserem ler este incrível e emocionante depoimento que o Gil Soares fez de certa forma em "homenagem" para minha tia Mara Lucia, mas também ao meu Avô materno....



Pandereta de meu Avô Elpídio
Nas mãos de Gil Soares e Juca de Leon
"Já contei que o primeiro instrumento de verdade - construído em uma fábrica para ser um instrumento, entenda-se – que tive foi um ...bandolim. O coitado ainda está por aqui, guardado com muito carinho e corda nenhuma... Mas o que vem ao caso é que aos 17 anos, com conhecimentos de música beirando a indigência, tinha um instrumento e precisava aprender, ao menos, a afiná-lo! E desde a infância eu sabia que a menos de duas quadras de casa e a apenas duas gerações de consanguinidade, havia um parente músico! Sim, um tio-avô que tocava de ouvido e na melhor tradição seresteira, um instrumento de cordas com nome curioso: Pandereta! Um corpo ou caixa de ressonância de banjo – pele esticada cumprindo a função de tampo – e um braço pequeno, com oito cordas (quatro duplas, na verdade), exatamente com a afinação de um... bandolim! Claro que fui imediatamente visitar o irmão da minha avó materna, um mulato desempenado já se aproximando dos seus oitenta anos. O tio Elpídio! Aquilo foi ao mesmo tempo uma revelação e uma primeira aula de rudimentos, como noções de palheta, posições e, claro, a indispensável afinação! Ele tirou a Pandereta de cima de um móvel, envolta em uns panos, deu uma emparelhada na afinação e tocou algo que jamais saberei o que era, mas que era música! Música com sabor de outras épocas, outros ambientes, outras linguagens... Tinha enquanto tocava um olhar e uma expressão a milhares de quilômetros dali daquela casa simples de madeira que frequentei na infância. A casa da Tia Flora, das primas Flora Maria, Celinha, Mara Lucia e do primo Rui, que por sua vez tinha fama de bom percussionista.
Uma única e inesquecível aula tive com o tio Elpídio, e depois fui buscar mais informações sobre meu bandolim em muitas outras fontes, até que duas evidências se impuseram: a primeira era que meu caminho apontava fortemente para a flauta; a segunda era que meus dedos não dispunham de força e mobilidade para as cordas.
Trinta e cinco anos depois, com meus avós e todos de sua geração já ausentes desta dimensão, além de uma grande parte dos da geração seguinte, como meus pais e tios, a música e a vida (como se fossem coisas separadas...) se encarregam de armar uma daquelas peças cheias de beleza e significado. Na estrada para Porto Alegre, poucos meses atrás, com o Sovaco de Cobra, um dos meus parceiros começa a contar sobre o presente que recebeu de uma educadora durante visita que fez a uma escola da rede pública com seu projeto de educação musical através do pandeiro. A referida senhora, encantada por seu trabalho como músico e educador, ofereceu-lhe uma relíquia: o instrumento que havia sido de seu pai, falecido há muitos anos, e que não havia sido adotado por nenhum descendente. Um “instrumento curioso”, de fabricação visivelmente artesanal, que meu parceiro afirmava nunca haver visto igual. Ao escutar uma primeira descrição do instrumento, perguntei o nome da professora, já adivinhando a resposta. Professora Mara. Mara Lucia. Minha prima-segunda.
A Pandereta do meu tio Elpídio estava agora aos cuidados do meu irmão/parceiro Jucá De León. Cumpriu um ciclo de cuidados e carinhos nas mãos das minhas primas e agora se reaproximava de mim pelas mãos de um parceiro que sabia dar valor às histórias que os objetos trazem. Histórias de arte, beleza, alegria, espontaneidade e generosidade.
Há poucos dias, enfim, tive nas mãos o instrumento, e o trouxe pra casa com o pacto de tentar resgatar seu som. Fazê-lo viver para que algum parceiro que tenha os dedos certos possa extrair-lhe música. A música merece! Tio Elpídio, Mara Lucia, minha mãe e todos que o viram com a pandereta nas mãos e aqueles olhos brilhantes... A história merece! Nada é por acaso.

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